segunda-feira, 29 de setembro de 2008

NORMAS DE REGÊNCIA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO - Natanael Sarmento - Dr. Profº titular da UNICAP.

Resumo: Trata-se de análise crítica dos direitos da personalidade regulados no Livro I, Título I, Capítulo II, artigos 11 a 21, do Código Civil, lei 10.406/2002. Aborda aspectos doutrinários e dogmáticos da novel categoria de direitos da personalidade. Utiliza técnica de fichamento , método bibliográfico, consulta em fontes primárias – leis, jurisprudências - e secundárias – livros, periódicos, artigos. Destina-se a estudantes do curso de direito, especialmente os alunos de direito civil I – Parte Geral – da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP.
I. Intróito
Muito a gosto dos jurisconsultos, algumas questões teóricas do tema direitos da personalidade motivam debates doutrinários. É correto falar-se em direitos da personalidade como direitos subjetivos? Qual a natureza jurídica dos direitos da personalidade? Há características de direitos da personalidade explicitadas e outras não na dogmática do código civil? Há paradoxo sistêmico no código civil que assegura direitos da personalidade a entes despersonalizados a teor do próprio código a exemplo de nascituro e do “de cujos”. Afinal, certos direitos - à honra, à imagem, ao nome e à integridade física – integram a personalidade, porém, a lei civil assegura a tutela de tais direitos em face de seres despersonalizados.
Nos dias correntes a doutrina jurídica não mais se agita em atribuir estatuto autônomo aos direitos da personalidade. Tratados como direitos da pessoa em si mesma, ganham a cada dia mais reconhecimento doutrinal e novas formas de proteção no âmbito legal. Trata-se de uma categoria especial de direitos pela própria configuração ontológica: a tutela pretendida diz respeito ao ser humano em si mesmo. Nele se fundem sujeito e objeto de direitos. A tutela jurídica torna-se indispensável ao desenvolvimento do ser humano como tal. Logo, tais direitos não se confundem com as demais regras que regulam a pessoa em face da sociedade, da família, ou de bens patrimoniais. Nas relações jurídicas estabelecidas com as outras pessoas ou coisas: sociedade, bens, Estado, o titular do direito subjetivo não se confunde com o objeto do direito tutelado. O chamado pomo da discórdia doutrinal consiste no fato de que no direito subjetivo há sempre, “correspondendo ao direito do sujeito ativo, um dever jurídico do sujeito passivo”.[1] Nas relações jurídicas estabelece-se um vínculo entre pessoas distintas, o titular do direito subjetivo (sujeito ativo) e a outra pessoa (sujeito passivo). Nesse caso sujeito/objeto de direitos não se confundem qual acontece relativamente aos direitos da personalidade. Em razão dessa particularidade discutia-se na doutrina a natureza jurídica dos direitos da personalidade. Nesse sentido, duas posições se confrontavam: uma, admitindo-se os direitos personalíssimos como direitos subjetivos; outra, negando essa possibilidade. O código civil brasileiro reconhece os direitos da personalidade como direitos subjetivos sistematizados nos artigos 11 a 21 do Livro I da Parte Geral.
Cuida-se de direitos próprios dos seres humanos, inerentes à pessoa em si mesma. De direitos com características ontológicas por se constituírem do próprio ser humano. Direitos inatos porquanto assegurados desde o momento da concepção. Direitos gerados e desenvolvidos com o ser humano, incorporados à personalidade de cada pessoa e indispensável ao seu desenvolvimento ao longo da vida.
A tutela legal dos direitos da personalidade no Brasil se amplia de tal maneira que a codificação civilista afigura-se paradoxal em sentido formal da sistematização dogmática. Isso por alcançar o nascituro ao tempo em que adota a teoria natalista, ao reger que a personalidade começa com o nascimento com vida. Mesma incongruência formal e lógica quando proclama que a existência da pessoa termina com a morte, sendo lógico pensar que não há personalidade sem pessoa. No entanto, o código civil assegura direitos da personalidade para depois da morte, haja vista que atribui aos sucessores e herdeiros do morto legitimidade para promover ação de danos morais
Outra característica dos direitos da personalidade é que são indisponíveis. O titular desses direitos não pode, voluntariamente, dispor, parcial ou totalmente, de forma livre. Os direitos da personalidade tutelam o própria ser humano, considerem-se indispensáveis ao seu desenvolvimento saudável, razão pela qual a lei impõe limitações. Nesse sentido, a rigidez da norma da indisponibilidade abranda-se apenas em face de questões maiores, lícitas, altruístas e plenamente justificáveis, devidamente previstas na lei. Casos de notório interesse público, fins sociais e de acordo com os bons costumes. Portanto, como regra são direitos irrenunciáveis e intransmissíveis, impenhoráveis e imprescritíveis. Cetras características da regra conhecem as respectivas exceções, contanto que previstas na lei. Haja vista a doação de órgãos para transplante em vida ou após a morte. Ouso da imagem pessoal, ou do nome, em propaganda, quando autorizado pelo titular. Pela regra veda-se a disposição do próprio corpo, no todo, ou em parte. Mas, a lei excepciona o uso do nome autorizado, bem assim da imagem. Da mesma maneira a lei civil abranda o direito a imagem diante de circunstâncias legalmente previstas, tais como necessidade de administração da justiça ou manutenção da ordem pública. O direito de imagem, assim, não pode ser alegado para alguém recusar-se ser fotografado para fins de identificação pessoal em documentos oficiais, tais como a carteira nacional de habilitação e a cédula de identidade.
Os direitos da personalidade, não raramente de forma assistemática, estão presentes em diversos diplomas legais. No âmbito constitucional os direitos da personalidade estão consubstanciados nos diversos dispositivos do art. 5º. Assim quando assegura o direito à vida no “caput”do art. 5º. Em seguida, a Carta Política proclama o direito à vida, à intimidade, a privacidade, a honra e a imagem, no inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Alguns desses direitos reaparecem noutros incisos como o direito à intimidade que volta a ser contemplado, expressamente, no inciso LX, que impõe a publicidade dos atos processuais, porém, excepcionando tal publicidade ao interesse social e à defesa da intimidade.
O Código Penal, contudo sistematiza os direitos concernentes à personalidade sob o título dos crimes contra a pessoa. O código criminal tipifica os respectivos crimes e indica as penas com o desiderato de proteger a pessoa e a sociedade. Nesse sentido, define os crimes contra a vida: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto, arts. 121 a 128; lesões corporais, art. 129; periclitação de vida e da saúde, arts. 130 a 136; crimes contra a honra, calúnia, difamação e injúria, arts. 138, 139 e 140; crimes contra a liberdade individual: constrangimento ilegal, ameaça, seqüestro e cárcere privado, redução à condição análoga à de escravo, arts. 146 a 149; crimes contra a inviolabilidade do domicílio, da correspondência e dos segredos, arts. 150, 152 e 153.
Outros diplomas legais, editados em conformidade com as novas disposições constitucionais introduzidas pela Constituição de 1988, a exemplo da Lei n. 8078/90 - Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da lei 9.434/97 que regula a remoção de órgãos e transplantes, dentre outras, tutelam direitos subjetivos da personalidade,inclusive a moral e a integridade psicofísica da pessoa humana.
2. Direitos da personalidade no código civil
O código civil, lei 10.406/2002, sistematiza os direitos da personalidade na Parte Geral, Livro I ( das Pessoas ), título I (das pessoas naturais), capítulo II (direitos da personalidade) regidos pelos artigos 11 a 21.
O art. 11 da lei civil prevê algumas características dos direitos da personalidade: irrenunciável , intransmissível, ilimitado ou incondicional : “ Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação alguma”
Pelo artigo da lei, voluntariamente, os direitos da personalidade não podem sofrer limitações. O dispositivo é coerente, pois somente as eventuais limitações aos direitos, por ação ou omissão voluntária, caracterizam o ato ilícito civil. Contudo, o legislador, no nosso entender, omitiu algumas das características de direitos da personalidade apontadas pela doutrina.
Direitos inerentes à própria pessoa, quais nome, integridade psicofísica, intimidade, vida, honra, imagem, vida privada, privacidade, com efeito, possuem características outras, referidas anteriormente nesse trabalho, não contempladas no Código Civil. Resumidamente, os direitos da personalidade são inatos, inerentes a pessoa, intransmissíveis, irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis, não se prestam à garantia, penhora, ou execução, não se expropriam. Têm gozo e exercício, absoluto, pleno, incondicional, ilimitado, salvo as exceções expressamente previstas em lei.

2.1 Tutela legal dos direitos da personalidade

A proteção do direito civil aos direitos da personalidade vai da prevenção visando a evitar o dano à indenização reparadora. A indenização civil tem o escopo de obrigar o responsável pelo dono a reparar os prejuízos materiais e morais da vítima, sem prejuízo das demais sanções nos campos penal e administrativo, se for o caso. O art. 12 prescreve que “ Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei” . Pelo parágrafo único deste artigo atribui-se a legitimação à ação de indenização de perdas e danos ao cônjuge sobrevivente e aos parentes, em se tratando de morto.
De fato, a lei procura resguardar os direitos da personalidade amplamente, fazendo cessar a ameaça, se os fatos lesivos à personalidade ainda não se consumaram, ou depois de consumada a lesão, garantindo-se à vítima o direito subjetivo de reclamar judicialmente a justa indenização pelos danos sofridos.
O ordenamento jurídico dispõe de instrumentos eficazes para exigir que cesse as ameaças. Liminares, tutelas antecipadas, medidas cautelares, conforme melhor solução do caso, atendidos os requisitos processuais respectivos, urgência, verossimilhança do direito, risco de dano irreparável ou difícil reparação, assim por diante. Tais medidas preventivas ou assecuratórias da tutela, não prejudicam a ação ordinária de indenização em face das perdas e danos da vítima. Ora, já se disse anteriormente, a indenização civil tem por fim ressarcir prejuízos do titular de direito violado. Nos ilícitos de direitos da personalidade que dizem respeito a pessoa já falecida, a lei civil legitima o cônjuge sobrevivente, os parentes em linha reta e colaterais até o 4º grau. A expressão “sem prejuízo de outras sanções” diz respeito aos reflexos do ato ilícito nos outros ramos do direito, cuja repercussão independe das sanções de natureza civil. Solve-se o dano civil mediante o pagamento do dano ou da indenização de perdas e danos, Mas a ilicitude criminal ou contravencional comportará as sanções criminais previstas no Código Penal, nas demais leis criminais ou na lei de contravenções penais. Em se tratando de ilicitude de agente público tem-se o processo próprio e as respectivas sanções administrativas.

Direito à vida e direito à integridade psicofísica

Tem-se a vida humana como o valor maior, o valor fundamental, não somente à própria pessoa como também à sociedade. Nesse sentido, a proteção da vida humana tem recebido especial atenção de todos os ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil. Com efeito, a Constituição Federal/1988 assegura a todos a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput). E, coerentemente com esse princípio, veda a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada (art. 5º, inciso XLVII, letra “a”).
A lei prescreve ser a integridade física e psíquica da pessoa inviolável, não devendo sofrer limitações de qualquer espécie. Nem mesmo necessita ser efetivada, pois a simples ameaça configura-se como ilicitude.
No tocante à integridade psicofísica o código civil rege nos artigos 13, 14 e 15 as seguintes disposições.
Art. 13, verbis: “ Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido, para fins de transplante, na forma estabelecida em lei”.
A disposição de partes do corpo de pessoa viva, no direito nacional, só tem o amparo da lei para finalidades terapêuticas e de transplante expressamente previstas. O doador, voluntariamente, manifestará por escrito a vontade de disponibilizar parte de seu corpo. Ademais, a lei exige necessidade do tratamento e que a retirada do órgão, tecido ou parte do corpo não importe risco de vida, não comprometa as funções vitais, ou contrarie os bons costumes.
Em matéria penal define-se como lesão corporal a ofensa à integridade corporal ou à saúde. Qualquer dano à normalidade funcional do corpo humano, físico ou psíquico. Estabelece distinção entre a natureza das lesões – leves e graves – e as respectivas penas (CP, art.129).
De acordo com a redação original da lei 9434/97, antes das modificações introduzidas pela lei 10.211/2001, doutrina e jurisprudência agitava-se em face do consentimento presumido à utilização de órgãos de “doador” morto. Pela dicção originária do texto legal, não havendo declaração expressa de não doador, (na Carteira Nacional de Habilitação, art. 4) presumia-se a autorização de doação de tecidos, órgãos, ou partes do corpo humano pera finalidades de transplantes ou terapêuticas post mortem. O escopo da lei na doação presumida era aumentar o número de doadores fornecedores de órgãos e reduzir as filas de espera dos recebedores donatários. Nesse sentido, o poder público a pretender defender o interesse social decidia-se pela universalidade da doação, assim, na sociedade brasileira todos seriam doadores salvo expressa manifestação de vontade em contrário.
Em que pese o fim elevado do dispositivo legal, produziu-se um efeito contrário, e a regra da doação presumida tornada alvo de fortes críticas, terminaria revogada em sede de Medida Provisória (MP), portanto fundado nos pressupostos de “urgência” e “relevância” no ano seguinte, 1998. O governo recuava de sua decisão ousada sobre a matéria. Apontam-se diversos fatores quais sejam, falha na comunicação, resistências de ordem culturais, desconfianças da população (receava-se, em geral, que órgãos de pessoas indigentes fossem retirados, antes da morte encefálica, para favorecer pessoas ricas), como os “carrascos” da doação de órgãos presumida. Importa saber que o governo foi obrigado a retroceder e desfazer em caráter de urgência a norma editada por ele um ano antes, tamanha a impopularidade e oposição recebida. Pela MP revogadora da doação presumida, a doação de órgãos do morto passava a depender de autorização dos familiares. Assim, pela nova regência, aos membros da família do morto transferia-se a responsabilidade da doação dos órgãos do falecido. A nova dicção apaziguaria os ânimos, inclusive de ilustres juristas que a viam a regência anterior como draconiana, inconstitucional, coisas que tais, porém, a nova e pacificadora redação, de fato, retirou da sociedade (ou do poder público, pelo menos) o processo decisório da questão. Esse é o teor da norma vigente, lei 10.211/2001, alteradora da lei 9.434/97. No art.4, verbis “ A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplante ou outras finalidades terapêuticas, dependerá de autorização do cônjuge ou parente maior de idade, obedecida a linha sucessória, até o segundo grau,inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas, presentes à verificação da morte”.
Sobre a disponibilidade do corpo para depois da morte, o código civil, no artigo 14 estabelece: “ É válida,com objetivo científico,ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”.
Atente-se que a proteção legal do corpo humano prolonga-se post mortem. O estatuto criminal tipifica os crimes de subtração ou ocultação de cadáver (art. 211) e vilipêndio a cadáver (212), cominando, respectivamente as penas de reclusão e de detenção de 1 a 3 anos. Mas a lei confere validade, com fundamento nos princípios da vontade e da licitude, a disposição em parte, ou no todo, do próprio corpo após a morte. Exige a norma que a destinação seja terapêutica (transplante) ou científica (estudo), ressalvada a revogabilidade da disposição a qualquer tempo pelo doador.
Mas cadáveres em poder das autoridades públicas e não reclamados podem ser destinados para fins de ensino e pesquisa. Trata-se dos corpos de “cadáveres sem dono”, ou “indigentes”, dos quais não se tem informações relativas a parentes ou endereço. Assim, sem possibilidade de identificação, qual o destino a ser dado ao cadáver? A lei 8.501, 30/11/1992 tem por objeto exatamente a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos e pesquisas científicas.
Relativamente a regência dos direitos da personalidade específicos da integridade psicofísica, dispõe o art. 15, verbis: “ Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
O dispositivo funda-se nos princípios da autonomia e da beneficência. Pelo primeiro, a intervenção e as ações do profissional da medicina devem ter o consentimento do paciente civilmente capaz, ou do responsável legal do incapaz. Importa dizer que é responsabilidade médica dizer o real estado da saúde do paciente e o tratamento por ele indicado. Ao paciente, devidamente esclarecido do tratamento a que será submetido, cabe decidir se aceita, ou não tal tratamento. Para a segurança e garantia de ambas as partes, médico e paciente, devem documentar suas posições e vontades. Pelo princípio da beneficência o médico deve adotar o melhor e mais eficaz tratamento tendo em vista o melhor para a saúde do paciente. Tem o paciente o direito de não submeter-se a terapias de elevados riscos de morte, ou constrangedoras.
A nosso ver, a regra do artigo 15 em tese correta na perspectiva do direito, enfrenta problemas sérios na sua implantação prática. Se, por um lado, visa coibir a “ditadura médica” e assegurar a dignidade da pessoa sob tratamento, por outro lado, nem mesmo o princípio da autonomia é absoluto. Observe-se que estamos tratando de uma norma vigente em país que não legitima a eutanásia. Tomemos como exemplo alguém a quem se recomenda tratamento vexatório, constrangedor, mas indispensável à preservação da vida. Se o paciente recusar-se ao tratamento, a atuação do médico do ponto de vista ético e legal resolve-se em se documentar para uma eventual defesa judicial e deixar o paciente morrer? E se o médico a despeito da opinião contrária do paciente procede a intervenção necessária à vida, sem êxito, porque o paciente vem a falecer, o médico responderá civil e criminalmente? Diante destas e de outras tantas situações limítrofes é que entendemos o artigo em epígrafe como bastante complexo, a aguardar os resultados de sua aplicabilidade na vida.
Direita à imagem, direito ao sigilo e direito autoral
O código civil possibilita interpretações ampliadas do direito à imagem. Não poderia ser diferente face aos inúmeros significados da expressão imagem da pessoa. Ao ampliar o leque de proteção a noção de imagem compreende a imagem propriamente da física da pessoa, o sigilo, e o direito autoral. O legislador pretendeu laçar muitos bois com uma só laçada. Como resultado, o art. 20 do código civil, um primor de confusionismo, verbis: “ Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade,ou se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes e os descendentes”.
Com uma cajadada o legislador hercúleo buscou proteger o direito autoral dos escritos, a transmissão da palavra, a publicação de escritos, à imagem da pessoa e reflexamente a honra da pessoa. Antes do tombo trata de ressalvar os casos devidamente autorizados pela própria pessoa, ou, a sua revelia, quando necessário à administração da justiça ou mantença da ordem pública.
Tem-se, assim, como direitos conexos à intimidade: o direito ao sigilo e o direito autoral à não divulgação de palavra, escrita ou falada, e direito à honra e à boa fama. A nosso ver o legislador disse de menos, melhor faria se dedicasse um artigo específico sobre cada um dos direitos tutelados, ou remetesse a matéria à legislação específica.
O direito de imagem em sentido corporal ou físico compreende qualquer tipo ou forma de reprodução da imagem da pessoa: fotografias, desenhos, pinturas, charges, cartazes, filmes. Representações ou qualquer forma de expressão como própria voz humana, escritos, músicas, documentos particulares, diários, papéis pessoais, símbolos ou signos capazes de identificar uma pessoa em sua individualidade.
Para fazer face à ameaça ou ao dano à imagem, o titular do direito ameaçado ou efetivamente lesado tem a indenização pelos danos materiais e morais.
Direito à privacidade

A definição legal das esferas da vida privada e da pública, do justo equilíbrio entre ambas, afigura-se, historicamente, variável e complexa. No entanto, preservar a vida íntima ante da corrosão da vida privada pelo abuso de poder tem acompanhado a história humana. Nas civilizações mais antigas do mundo ocidental, Roma e Grécia, dessa tensão público/privado se ocuparam legisladores, reis, filósofos, cidadãos pacatos e insurretos.
A problemática agiganta-se diante das novas tecnologias capazes de captar e transmitir imagens de satélites espaciais até pequenos aparelhos celulares de bolso. René Dotti utiliza uma expressão lapidar para caracterizar esse avanço em detrimento da vida privada “erosão da privacidade” ( DOTTI,1980) .

Um desenvolvimento humano saudável não se confunde com sobreviver de qualquer forma. Desenvolver-se como ser humano pressupõe-se ter-se assegurado a dignidade da vida humana. Nessa dignidade compreende-se a identidade pessoal, a honra e a privacidade. Pedro Frederico Caldas sintetiza essa concepção “ a ninguém compraz, mesmo que preservada a vida, viver sem honra, sem identidade ou sem um mínimo de privacidade”(CALDAS, 1997).
O direito à privacidade tem a tutela constitucional na garantia da inviolabilidade do lar; no direito ao sigilo das comunicações telefônicas; no sigilo fiscal e bancário; no sigilo profissional. Sobre o sigilo profissional Tércio Ferraz considera além da privacidade do indivíduo por alcar a privacidade de terceiros e envolver a segurança do Estado (FERAZ :1992) .
Em linhas gerais pode-se afirmar que o direito à intimidade limita ou restringe a publicidade indesejável, obsta o devassamento do que não diz respeito ao público em geral e impede a divulgação pessoal considerada confidencial. Trata-se de direito defensivo e contrário à invasão da vida privada, por terceiros não autorizados, inclusive o poder público.
Tais direitos da personalidade destinam-se a proteger a privacidade do indivíduo, da família, dos negócios, contra divulgações e publicidades indevidas e indesejadas, contra indiscrições de pessoas desautorizadas. Diz-se que o âmbito do direito à privacidade é mais amplo do que o do direito à intimidade. Segredos, confidências, informações sigilosas, decisões secretas e dados pessoais, cartas íntimas, recordações, memórias, diários, relações familiares, vida sentimental, vida conjugal, lazer pessoal, costumes domésticos, a sepultura e o estado de saúde, enumera BITTAR, (1989: 70).
O código civil encerra o capítulo com o art. 21; “ A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma”.
Para assegurar a efetividade dessa proteção legal, a autoridade judicial a pedido do interessado poderá conceder em sede de cautelares ou liminares além da condenar o causador do ilícito a ressarcir a vítimas pelos danos materiais e morais.




[1] Wald, Arnald.Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, v.1 p.114.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

NOTAS SOBRE OS EFEITOS JURÍDICOS DA MORTE, DA MORTE PRESUMIDA E DA AUSÊNCIA - Natanael Sarmento - Prof.Dr. Titular da Unicap

O fato morte da pessoa natural importa diversos efeitos jurídicos devidamente previstos no direito positivo. O termo fanal da existência da pessoa física faz cessar a personalidade, dissolver o vínculo conjugal (art. 1.571, I), cessar o poder familiar (art. 1.635, I), acabar os contratos de serviços (art. 607) cessar os mandatos (art. 682, II), extinguir o usufruto (art. 1.410, I), determinar a abertura da sucessão e a transmissão dos bens (1.784) dentre outras repercussões no âmbito civil. Mas não só. Com efeito, o evento morte alcança todas as esferas do direito com as quais o “de cujos” se relacionava em vida, exemplificando-se: previdenciário, trabalhista, securitário, tributário, empresarial, eleitoral, penal, processual e outros.
No processo civil o fator morte de qualquer das partes, de seu representante legal ou procurador leva à suspensão do processo (art. 265, I).Em matéria penal a morte do agente acarreta a extinção da punibilidade(CP. art. 107,I). No âmbito processual criminal a realização de exame cadavérico pelo menos seis horas depois do óbito (CPP. Art. 162), extinção da punibilidade à vista da certidão de óbito do acusado (CPP. art. 62), transferência do direito de queixa ou de prosseguimento da ação ante a morte do ofendido (art. 31), a perempção da ação penal face a morte do querelante (art.60,II).

Embora ressaltando que o evento morte repercute em todos os campos direito, o presente estudo tem por objeto exclusivamente os efeitos no âmbito civil. Nessa perspectiva, diz lei 104/2002 que institui o Código Civil:

Art. 6º . “A existência da pessoa física termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”.

Observe-se que o Código prescreve o termo da pessoa com a morte, em seguida prescreve a morte presumida dos ausentes. A doutrina utiliza-se de expressões como “morte física” ou “ morte real” a distinguir a morte de fato da morte presumida pelo direito em face de determinadas circunstâncias.
Declarada por sentença a ausência o juiz nomeia curador com o encargo de zelar pelo patrimônio do ausente. Tal curadoria tem o prazo de um durante o qual os bens do ausente são arrecadados, em seguida, abre-se a sucessão provisória do ausente a pedido dos interessados (art. 26). Mas, nem sob a curatela, nem na fase provisória da sucessão do ausente pode-se falar em “ morte presumida” haja vista a parte final do art. 6º. Atente-se para a frase final “quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva”. A sucessão definitiva só se dará dez anos depois do trânsito em julgado da sentença que determina a sucessão provisória (art.37).

A configuração jurídica de ausente é dada no art. 22 do Código Civil. Pessoa desaparecida do seu domicílio sem dela haver notícia, sem deixar representante ou procurador para administrar os seus bens, declarada ausente por sentença do juiz a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público:

Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhes os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador.

Segue que a lei 10.406/2002 inovou e instituiu nova modalidade de morte presumida legalmente independente de declaração da ausência. Os casos são dois e estão previstos no art. 7°, I e II. O primeiro em face de extrema probabilidade da morte da pessoa que se encontrava em perigo de vida; o segundo, de pessoa desaparecida na guerra, ou prisioneiro de guerra, após dois anos do fim do conflito. No requerimento da declaração da ausência o interessado deverá demonstrar ter esgotado todas as diligências e buscas em vão. Tendo em vista a importância da data da morte para fins de direito, este evento embora não sabido deverá ser fixado pelo juiz. [1] A morte presumida que dispensa a declaração de ausência tem previsão no art. 7 º:


Art. 7º: “Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I- se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II- se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único: a declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Comoriência

Resulta ser de extrema importância para o direito o momento do evento morte da pessoa natural. A causa e a data da morte devem ser atestadas por médico, ou em sua falta, por duas pessoas idôneas. Com o “atestado de óbito” em mãos a família do falecido providencia o enterro do de cujos. E procede ao registro da morte em cartório apresentando o referido atestado de óbito e comprovante do enterro fornecido pela administração do cemitério. Far-se-á o registro público do óbito em livro próprio e o tabelião expedirá a respectiva “certidão de óbito”. A certidão de obtido fornecida pelo cartório de registro de pessoas naturais possui força probante para todos os fins legais, previdenciário, trabalhista, sucessório, etc. Tem o momento do evento morte relevância para o direito porque é a partir dele devem começar os “efeitos jurídicos”. Porém, nem sempre é possível se determinar, com precisão, o momento da morte. Na morte presumida, o juiz deve fixar na própria sentença declaratória a qual deve ser registra em registro público. De maneira que quando não há a certeza fática do momento da morte a lei determina que esse momento seja presumido. Nesse sentido, o direito institui a comoriência que é a presunção legal de morte simultânea de duas ou mais pessoas. Tem relevância mais acentuada no âmbito do direito das sucessões. O legislador desde o Código Civil de 1916 prescreve essa presunção de simultaneidade, quando não se pode determinar a hora da morte de cada um dos falecidos. Essa presunção de morte simultânea de comorientes é mantida pela lei 10.406/2002 no art. 8º:

“Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”

Entre os comorientes, pessoas que presumivelmente morrerem no mesmo momento, não se estabelece a sucessão. Significa que um “de cujos” não será herdeiro do outro. Consequentemente, serão chamados à sucessão os herdeiros de todos os comorientes.

Impende destacar que, muito embora a morte da pessoa física represente o fim da sua existência, da sua personalidade como pessoa natural, com todos os reflexos na vida social e jurídica, como se pode observar nessa exposição, isso não importa dizer que os interesses materiais e morais do falecido desapareceram juntamente com ele. Assim, a ameaça ou lesão a direito da personalidade, nome, vida privada, imagem, honra, para os quais, são partes legítimas à postulação judicial o cônjuge sobrevivente ou parentes (parágrafo único do art. 12, CC). Ato de disposição do corpo para depois da morte (art. 14). A disposição de bens em testamento (art.1.857). Em matéria criminal os mortos recebem a tutela da lei nos tipos penais nos artigos, 209, 210, 211ea 212, respectivamente crimes de impedimento ou perturbação de cerimônia fúnebre, de violação de sepultura, de destruição, de subtração ou ocultação de cadáver e de vilipêndio a cadáver.
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[1] No caso de benefício do INSS o pagamento far-se-á da data do óbito ou da decisão judicial da morte presumida.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Considerações jurídicas sobre o nome da pessoa. Natanael Sarmento – Prof. Dr. Titular da Unicap

O nome da pessoa natural é um elemento essencial de sua personalidade, através do qual cada pessoa é identificada como indivíduo da sociedade. Nesse sentido, coerentemente, a lei 10.406/2002 - Código Civil - estabelece as normas relativas ao nome da pessoa no capítulo dedicado a direitos da personalidade.
Na dicção do art. 16 toda pessoa tem direito ao nome que é composto pelo prenome e pelo sobrenome ou nome de família:

“Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.

O prenome da pessoa natural é escolha livre dos genitores ou responsáveis, podem ser simples, exemplo: João, Francisco, José, Antonio, ou compostos, João Francisco, José Antonio, ou quaisquer combinações possíveis de dois ou mais prenomes. Contudo, por ocasião do registro, o oficial de registro público pode recusar pedidos de registros de nomes jocosos ou que exponham a pessoa ao ridículo, com base no parágrafo único, art. 55, lei n° 6.015/73, Lei de Registros Públicos. Se o responsável pela declaração não aceitar a recusa do oficial esse encaminha a querela ao juiz competente. Comumente o declarante indica o nome completo do registrando, por exemplo: Antonio Natanael Martins Sarmento. Mas nem sempre o faz.

Antes da Constituição de 1988, segundo o “caput” do art. 55 da Lei de Registros Públicos, se o declarante não indicar o nome completo ao oficial cabe lançar o sobrenome do pai, na falta daquele, lança o sobrenome da mãe, quando conhecidos, não havendo impedimentos legais para tal ato. Entretanto, tal dispositivo encontra-se revogado. Tanto a precedência paterna sobre a mãe afronta a isonomia entre homens e mulheres, 5°, I e a isonomia conjugal do 226, 5°, ambos da CF/1988 como a Lei Maior proíbe quaisquer designações discriminatórias em relação a filos, havidos ou, não em face de casamento, no art. 227, 6°.

O sobrenome recebe-se dos pais e indica a família da pessoa. O declarante da filiação pode registrar o seu filho voluntariamente, caso de reconhecimento espontâneo e livre, ou reconhecer a paternidade por força de sentença judicial, nas ações movidas pelos filhos com tal propósito. De qualquer forma, voluntária ou obrigatória o estado de filiação estabelece vínculos de parentesco entre pais e filhos, direitos e deveres recíprocos, entre os quais o direito de adotar o sobrenome dos genitores.

Como regra o nome, assim entendido o prenome a o sobrenome da pessoa a acompanha durante toda a sua existência, mas a lei prevê os casos excepcionais de modificação, em face de casamento, adoção e outras motivações, somente através de sentença judicial e ouvido o Ministério Público, art. 57 da lei 6.015/73.

A matéria recebe a regência das leis 10.406/2002 e 6.015/73 no que tange a casamento, união estável, adoção, maioridade civil e outras situações.

Relativamente ao acréscimo de sobrenomes em virtude do casamento pela regência do Código Civil qualquer dos nubentes, logo, homem ou mulher, poderá acrescer o sobrenome do outro, art. 1.565, § 1° perfeitamente ajustado à isonomia conjugal determinada na Constituição Federal (§ 5°, art. 226).

No processo de adoção judicial de filhos, confere-se ao adotado o sobrenome do adotante. Em se tratado de menor, cabe modificação de prenome, quando requerida, a teor do art. 1.627 do Código Civil.

Dentre os efeitos jurídicos da maioridade civil, pouco se tem atentado para o disposto no art. 56 da lei 6.015 que prevê a possibilidade de modificação do nome no primeiro ano após atingir a maioridade civil, contanto que não se prejudique os sobrenomes de família. A modificação será averbada no Registro Público e modificação publicada pela imprensa.

O prenome da pessoa é definitivo, porém, admite-se a substituição ou adição de apelidos públicos e notórios, com essa regência o art. 58 da lei 6.015/73 consagra o princípio da identidade social, do reconhecimento público. Exemplo notório, a excelência presidencial Luís Inácio Lula da Silva.

A lei brasileira admite a substituição do prenome de pessoa sob coação fundada, em face de colaboração na elucidação de crimes, pelo parágrafo único do artigo 58.

Nomes jocosos capazes de expor o seu titular ao ridículo podem ser modificados (Ex. Eva Gina dos Prazeres, Jacinto Bráulio Aquino Rego). Já os erros materiais de registro, assim entendidos, erros gráficos, podem ser corrigidos mediante pedido do interessado e averbação da alteração no registro, nos termos da Lei 6.015/73.

No âmbito dos tribunais tem-se admitido à mudança do nome e também a correção do assento relativo ao sexo para pessoas submetidas a cirurgias modificadoras de sexo com fundamento no direito constitucionalmente assegurado à dignidade da pessoa humana. De fato, traz embaraços e causa espécie manter o nome de registro original a alguém que era de um gênero, feminino ou masculino, e que transmudou de sexo.
"REGISTRO CIVIL - Retificação - Assento de nascimento - Transexual - Alteração na indicação do sexo - Deferimento - Necessidade da cirurgia para a mudança de sexo reconhecida por acompanhamento médico multidisciplinar - Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a manutenção do estado sexual originalmente inserto na certidão de nascimento - Negativa ao portador de disforia do gênero do direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a lei fundamental - Inexistência de interesse genérico de uma sociedade democrática em impedir a integração do transexual - Alteração que busca obter efetividade aos comandos previstos nos artigos 1º, III, e 3º, IV, da Constituição Federal - Recurso do Ministério Público negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o pedido inicial, determinando a retificação de seu assento de nascimento não só no que diz respeito ao nome, mas também no que concerne ao sexo". BRASIL. TJSP. Ap.n° 209.101-4 - 1ª Câmara. Rel. Elliot Ackel - 09.04.02 - D. J.
Também se tem admitido a alteração do nome pelos apelidos notórios compatíveis com a aparência da pessoa no meio social no qual vive e é conhecido, ou seja, na identidade pública, assumida.
"Registro civil. Transexual idade. Prenome. Alteração. Possibilidade. Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registra é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, o nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada esta a alteração. Inteligência dos artigos. 56 e 58 da lei n. 6.015/73 e da lei n. 9.708/98. BRASIL. TJRS. Proc. 70000585836. 7ª Câmara Cível. Rel. Sergio Fernandes de Vasconcelos. Julga: 31/05/2000.

Mesmo as pessoas estrangeiras admitidas no país como asiladas, permanentes ou temporárias estão obrigadas ao registro no Ministério da Justiça, na dicção do art. 30 da lei 6.815/1980, o Estatuto do Estrangeiro. Nome e nacionalidade do estrangeiro nesse registro serão os constantes do documento de viagem, art. 31. Mas o assentamento pode ser alterado, em caso de erro comprovado, em caso de exposição do titular ao ridículo, pejorativo, e também nos casos de difícil compreensão e possível de tradução à prosódia portuguesa, art. 43, I, II e III do Estatuto do Estrangeiro.

Proteção legal do nome da pessoa natural

Com o escopo de proteger o nome da pessoa, a lei civil, por um lado, proíbe o uso de nome ou de pseudônimo sem a autorização do seu titular, por outro, assegura o direito de uso em publicações quando devidamente autorizado. Mas veda qualquer publicação ou divulgação do nome da pessoa que importe desprezo ou enxovalho. Nesses casos, os responsáveis pela divulgação podem responder, civilmente, pelos danos materiais e morais, independente de culpa. Não se confunda com a responsabilidade criminal que independe da civil. A natureza jurídica da responsabilidade civil é objetiva, diz respeito à honra objetiva elementar do nome. Na dicção do art. 17 do Código Civil:


“O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.

O nome da pessoa pode ser utilizado com fins comerciais ou publicitários, logicamente, quando autorizado pelo seu titular. Dessa forma a divulgação do nome sem prévio consentimento importa em violação de direito faz nascer para o seu titular à pretensão a ser deduzida em ação indenizatória pelos danos materiais e morais sofridos. É a regra contida no artigo 18 do Código:

“Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”.

O escopo da lei é assegurar ao titular do nome a decisão sobre o uso de seu nome publicamente, não tendo relevância se essa divulgação tem fim altruístico ou lucrativo, se é graciosa ou onerosa. Nesse sentido, a utilização do nome da Drª. Fula na de Tal numa campanha contra o câncer, sem a devida autorização, representa violação de direito, já a divulgação de seu nome, devidamente autorizado, para venda de produtos comerciais trata-se de atividade lícita.

As mesmas proteções legais conferidas ao nome são dadas ao pseudônimo, na previsão expressa do art. 19° do Código Civil:

“O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome”.


Proteção legal do nome da pessoa jurídica


O nome das pessoas jurídicas, empresariais ou não, possuem grande relevância social. Disso resulta a relevância conferida pela lei civil ao nome das pessoas jurídicas. O bom nome e a boa fama da pessoa jurídica são bens juridicamente protegidos, e não podia ser diferente.

Nesse sentido, a existência legal da pessoa jurídica, diferente nesse particular da natural que começa com o nascimento com vida, começa com a inscrição do ato de constituição no respectivo registro, art. 45 da Lei 10.406/2002. E o mesmo Código Civil estabelece que o registro declarará a denominação da pessoa jurídica, art.46, I. Nas associações de pessoas sem finalidades econômicas ou de partilha de lucro, a denominação é obrigatória no estatuto a ser registrado, sob pena de nulidade, art. 54, I.

Essa matéria recebeu a regência da lei que instituiu o Código Civil e introduziu o Direito de Empresa no livro II da parte especial. O nome empresarial recebe a regulamentação em capítulo específico, artigos 1.155 a 1.168. Nome empresarial é a firma ou a denominação adotada para o exercício da empresa. Equipara-se ao nome empresarial para efeito de proteção legal as denominações das fundações, sociedades e associações.

Resulta que a pessoa jurídica tem legitimidade para demandar contra qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, em face de danos à honra objetiva. Esse entendimento tem sido assentado no âmbito do STJ, em inúmeros processos por ofensa a honra objetiva de pessoas jurídicas protestadas em face de títulos cambiais indevidos.

No quesito ofensa à honra da pessoa, doutrina e jurisprudência acentuam a distinção entre pessoas naturais e jurídicas. Destaca-se que a honra subjetiva relaciona-se com o ser humano, natural, dotado de psiquismo, em razão do qual podem sofrer danos à dignidade, à estima, humilhação, vexames, assim em diante, tem caráter interior, subjetivo. Já a honra objetiva é externa a pessoa, diz respeito à admiração, o respeito, a avaliação positiva que as demais pessoas fazem dela. Evidente que a pessoa jurídica não possui os sentimentos e emoções de dores humanas. Logo, pessoas jurídicas não dispõem dessa subjetividade, dessa honra subjetiva própria de seres humanos. Contudo, as pessoas jurídicas possuem reputação social, têm nome a zelar socialmente, logo, podem sofrer ofensas à honra objetiva. Assim, se o conceito da empresa ou sociedade é atingido, isso importa prejuízos materiais e morais à pessoa jurídica. Os danos materiais podem ser demonstrados por todos os meios lícitos de provas, já os danos morais, extra patrimoniais, serão arbitrados em juízo.

Resumindo, as pessoas jurídicas recebem idêntica proteção das pessoas naturais, nesse caso do nome como direito da personalidade assegurado em lei, e noutros direitos da personalidade, também, salvo os direitos ontológicos do homem, inerentes a pessoa humana e que não podem, por natureza, ser transferido às pessoas jurídicas criadas pelos homens para realizar determinados fins que o ser físico sozinho é incapaz de alcançar.



segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Notas sobre a cessação da menoridade civil, Natanael Sarmento – Prof. Dr. Titular da Unicap


Em todos os ordenamentos jurídicos do mundo civilizado hodierno existem requisitos legais que devem ser observados para aquisição da capacidade plena de exercício de direitos. Decorre que para a lei nem todas as pessoas estão aptas, são capazes no sentido de dotadas de consciência própria relativamente aos atos jurídicos e aos seus efeitos. Dita redução cognitiva ou mental pode advir de menoridade ou alienação mental que comprometa a vontade do sujeito de direito. A fixação da idade limite assim definida aquela idade na qual o agente naturalmente passa da menoridade para a maioridade, da incapacidade para a capacidade é decisão exclusiva de política legislativa. Pela lei civil vigente no Brasil, aos 18 anos completos cessa a menoridade - dicção do art. 5º da Lei n.º 10.406 que institui o Código Civil. Contudo, durante a vigência das Ordenações Filipinas a menoridade cessava aos 25 anos, em seguida, 21 anos até 11 de janeiro de 2003 quando da revogação do Código Civil de 1916. Na Argentina, art. 126, cessa a menoridade aos 22 anos; Alemanha, art. 2º, 21 anos; Uruguai, 21 anos, art. 280; Suíça, 20 anos, art. 14. Adotam o critério dos 18 anos de idade além de Brasil, art. 5º; Itália, art. 2º; França, art. 488; Espanha, art. 315; Portugal, art. 130 e Venezuela, art. 18, dentre outros (PEREIRA, 2004, P.291).

Art. 5. º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

No direito penal, por sua vez, apesar de considerar imputável a pessoa com 18 anos completos, admite-se uma série de benefícios ao menor de 21 anos na data do fato, como o prazo prescricional pela metade, além de ser considerada atenuante genérica. Na doutrina, muito se discutiu se a alteração da maioridade no Código Civil para 18 anos atingiria os citados dispositivos legais. A jurisprudência, entretanto, firmou entendimento que a modificação na maioridade civil não alterou a norma penal, conforme podemos observar a seguir:

“PENA (APLICAÇÃO). CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE (MENORIDADE). CIVIL (MENORIDADE). CÓD. PENAL, ART. 65, I, E CÓD. CIVIL, ART. 5º.1. É circunstância que sempre atenua a pena ser o agente, na data do fato, menor de 21 (vinte e um) anos.2. É certo que a menoridade civil cessa aos dezoito anos completos,no entanto a norma civil não alterou a norma penal, cujo significado encontra razões na imaturidade da pessoa.3. A norma penal há de ser alterada por norma da mesma espécie. Soa estranho possa ela ser alterada por outras ordens de idéias – de natureza civil, por exemplo.4. Ordem de habeas corpus concedida a fim de que se refaça o cálculo
da pena.” (STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAClasse: HC - HABEAS CORPUS – 40041,Processo: 200401709631 UF: MS Órgão Julgador: SEXTA TURMA Relator(a) NILSON NAVES DJ DATA:13/06/2005 PÁGINA:353 RSTJ VOL.:00198 PÁGINA:589)
“PENAL. DESCAMINHO. AUTORIA. PROVA. ASSINATURA NO TERMO DE ARRECADAÇÃO DAS MERCADORIAS. PENA DE RECLUSÃO. CÁLCULO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA MENORIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.1. A alegação de ausência de prova documental quanto à autoria não subsiste ante a verificação da assinatura da ré no Auto de Infração com Apreensãode Mercadorias descaminhadas, produzido pelas autoridades fiscalizadoras, a qual demonstra a ciência da apreensão e a sua responsabilização.2. No cálculo da pena privativa de liberdade, na segunda etapa, deveincidir a atenuante da menoridade se o réu, ao tempo do fato criminoso, era menor de 21 (vinte e um) anos, nos termos do que dispõe o art. 65, I, do CP, não havendo falar em perda de eficácia do referido dispositivo legal em face da diminuição da menoridade civil pelas mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, visto tratarem-se de normas de espécies distintas.3. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consubstanciada em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, quando não houver nos autos prova da condenação, com trânsito em julgado, em outro delito da mesma natureza.4. Ante o reconhecimento da menoridade da ré, tem-se, de acordo com o preceituado no art. 115 do CP, a redução do prazo prescricional pela metade. Assim, se transcorridos mais de 2 (dois) anos entre o recebimento da denúncia, primeira causa interruptiva da prescrição (art. 117, I, CP), e a publicação da sentença (art. 117, IV, CP), deve ser reconhecida a extinção da punibilidade da ré pela ocorrência da prescrição retroativa, forte no disposto no inc. V do art. 109, no caput e § 1º do art. 110, e no inc. IV do art. 107, todos do CP.5. Em razão de declarada insuficiência de recursos, bem como da profissão noticiada nos autos, deve ser deferido o benefício da gratuidade de justiça e isenção do pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado dativo (art. 32 e §§ do CPP c/c art. 4º da Lei nº 1.060/50 e art. 4º, II, Lei nº 9.289/96).”(TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO, Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL
Processo: 200370010146110 UF: PR Órgão Julgador: OITAVA TURMA Relator(a) LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO DJU DATA:04/10/2006 PÁGINA: 1073)

Ementa: "Apelação. Furto qualificado. Co-réus. Autoria e materialidade demonstrados pelos elementos dos autos. Aumentos da pena-base e pela recidiva exagerados para a espécie. Redução da pena. Co-réu menor de 21 anos. Obrigatoriedade não afastada pela redução da maloridade pelo Código Civil de 2.002. Fixação de regimes semi-aberto e aberto. Recursos providos em parte". (Comarca: São Paulo Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Criminal Relator(a): Marco Nahum Data do julgamento: 13/11/2007).

A incapacidade de exercício dos direitos pelos menores e incapazes, reitere-se, diz respeito à prática do ato pelo próprio menor e incapaz, situação que é suprida pelo instituto da representação legal conferida aos pais, tutores e curadores. O escopo moral e prático da disposição legal é preservar os direitos e interesses dos incapazes. Segue que “a fim de melhor atender à dinâmica dos fatos sociais e mediar diferentes situações, a lei civil prevê alguns casos de antecipação da capacidade civil, ou seja,os casos de cessação da incapacidade civil da pessoa natural antes de completar os 18 anos de idade” (SARMENTO, 2004:P.51).

De fato, a complexidade das relações sociais cria diferentes situações, de modo que, não raro, pessoas menores de 18 anos, em certas circunstâncias, estão efetivamente aptas a agir em defesa dos próprios direitos e interesses. Para tais casos a lei civil enumera os casos de antecipação da capacidade civil. Por vontade da lei cessa a incapacidade civil do menor antes de completar os dezoito anos de idade. Trata-se de casos expressos no parágrafo único do art. 5º da Lei 10.406/2002 os quais faz cessar, para o menor, a incapacidade mediante a emancipação:


Parágrafo único: Cessará para os menores a incapacidade:

I-pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II-pelo casamento;
III-pelo exercício em emprego público efetivo.
grau em curso de ensino superior.
IV- pela colação de grau em curso de ensino superior
V- pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.



Assim, a ordem jurídica que tem por fim a pessoa humana, reconhece o fato social de menores de 18 anos se tornarem capazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, quer em decorrência de casamento, quer pela segurança profissional ou econômica do menor prover a própria vida, quer pela concessão voluntária dos pais, ou autorização judicial dos sujeitos à tutela.

Ressalte-se que a lei determina a representação da pessoa absolutamente incapaz e a assistência do relativamente incapaz para validar os atos em nome do representado ou assistido. No entanto, ao completar dezesseis e apesar de menor de 18 anos de idade, o menor reúne as condições necessárias para exercer pessoalmente seus direitos à lei civil faculta a antecipação da capacidade plena através da emancipação do menor. Dessa forma, confere capacidade civil plena à pessoa “menor de idade” em termos cronológicos – entre 16 e 18 anos – em face de condições objetivas de a pessoa gerir os próprios direitos e interesses apesar da pouca idade e tendo em vista os fins sociais a que se destina o direito.

Os casos de emancipação do menor são taxativamente previstos no art. 5º, parágrafo único, incisos I a V do Código Civil.

Concessão dos pais

A doutrina denomina emancipação expressa a modalidade de emancipação do menor de 18 anos na qual os detentores do “poder familiar” - ambos os pais, ou qualquer deles, art. 5º, parágrafo único, I, da lei 10.406/2002 em conformidade com a Constituição Federal, art. 226, § 4º e § 5º - que, em pleno exercício do poder familiar, decidem abrir mão do mesmo em face dos interesses do menor apto legal, moral e materialmente a emancipar-se. Portanto a emancipação depende de certos requisitos: o emancipando deve ter completado 16 anos de idade; de outorga voluntária do poder familiar. Tal procedimento deve ser lavrado em escritura pública, portanto, no registro civil de pessoas naturais.

A situação do menor sob tutela equipara-se à do filho sob o poder familiar, porém, os tutores, diferentemente dos pais cujo ato de emancipação dispensa homologação judicial, devem ser ouvidos judicialmente e a emancipação declarada por sentença pelo juiz. Para a emancipação do menor sob tutela a lei determina a formalidade da emancipação judicial visando dar maior segurança e proteção ao menor tutelado que não usufrui da proteção dos próprios pais e sim de terceiros. A emancipação do menor de 18 anos e maior de 16 sob tutela, portanto, deve ser judicialmente, observando-se o devido processo legal e declarada por sentença a qual deve ser inscrita no registro civil de pessoas naturais.

Na regência do código de 1916 outros critérios e princípios norteavam o direito de família e assim a faculdade de emancipar filhos pelas mães somente nos casos de morte ou ausência dos pais. A mãe devia comprovar o seu estado de viuvez ou a ausência do pai para outorgar o ato de emancipação. Mas o legislador do Código de 2002 cuidou de harmonizar a lei civil com os novos conceitos e princípios de família, no caso, com o princípio da isonomia conjugal previsto no art. 226, § 5º da Constituição Federal.

Em suma, a emancipação do filho menor requer a outorga de ambos os pais. Na falta de do genitor o da genitora a emancipação pode ser promovida por qualquer um deles. À solenidade do ato dispensa a via judicial, porém exige escrituração pública, devendo os responsáveis proceder à inscrição no cartório de registro civil, nos termos da Lei de Registros Públicos, nº. 6.015/73.

Casamento

A emancipação civil de menores decorrente de casamento é consectário lógico, pois se os nubentes são capazes de constituir o próprio núcleo familiar decerto estarão aptos a exercer os outros atos da vida civil. Trata-se do princípio legal da proporcionalidade jurídica pelo qual “quem pode mais, pode menos”, não se afigurando justo nem lógico a lei conferir aptidão para o casamento e negar capacidade a pessoa para contratar, comprar, vender, doar, responder pela prole, assim por diante. Tal emancipação é irreversível, não se desfazendo com o fim da sociedade conjugal ou viuvez. Com efeito, uma vez emancipado pelo casamento válido, não ocorre retroação à condição anterior de incapaz, salvo causa superveniente de incapacidade que importe a interdição da pessoa natural. Segue que sobrevindo o divórcio, a separação judicial, a viuvez, os nubentes emancipados não retornam à condição anterior de incapazes.

Emprego público efetivo

Chama-se emprego a ocupação, o cargo ou a função que importa vínculo de trabalho remunerado. Essa relação de fato produz efeitos jurídicos e responsabilidades recíprocas entre o contratante ou empregador e o contratado empregado. O empregador pode ser outra pessoa natural, ou pessoa jurídica, esta última com personalidade de direito público ou privado. O inciso em exame diz respeito a emprego público e restringe à espécie efetivo. Em face dessa restrição “emprego público efetivo” a emancipação em comento só se aplica ao servidor público nomeado para o cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. Tais servidores só perdem o cargo em virtude de sentença judicial, mediante processo administrativo, e diante de procedimento de avaliação de desempenho periódico (art. 41, I, II e III da Constituição Federal). Ao precisar o emprego público efetivo a lei civil excluiu os empregos públicos temporários, como os chamados cargos em comissão que são de livre nomeação e exoneração.

A investidura no cargo público efetivo depende de prévia aprovação em concurso de provas ou provas e títulos, são acessíveis a todos os brasileiros que atendam aos requisitos da lei, assim como aos estrangeiros na forma legal, art. 37, I, C.F. Considera-se emprego público efetivo a investidura em qualquer cargo da Administração Pública, direta e indireta, de qualquer dos poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, Autarquias e Fundações.

A lei n.º 8.112/1990, denominada Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União não utiliza expressões como “emprego público” ou “empregado”, mas em servidor como a pessoa legalmente investida em cargo público, art. 2º. Cargo público é o conjunto de atribuições previstas na estrutura administrativa que devem ser cometidas as servidor, criados por lei, pagos pela fazenda pública, para provimento efetivo ou em comissão (art. 3º, Lei n.º 8.112/1990). Na mesma lei, todavia, é estabelecido como requisito para a investidura em cargo público a idade mínima de 18 anos, o que impossibilita, em nível federal, a ocorrência dessa causa de emancipação. No Estado de Pernambuco, a Lei n.º 6.123/68 (Estatuto dos Servidores do Estado de Pernambuco) não prevê essa limitação, mas é comum nos concursos estaduais ser previsto nos editais a idade mínima de 18 anos, como aconteceu, por exemplo, no último concurso do Tribunal de Justiça de Pernambuco, em 2006.

A emancipação prevista no art. 5º, III, CC: “ pelo exercício em emprego público efetivo” aplica-se ao servidor efetivo, portanto, investido no cargo mediante concurso. Pela vontade expressa do legislador a espécie não tem aplicação para os empregos comissionados os quais são demissíveis ad nutum.

Colação de grau de curso superior

Não se afigura razoável essa espécie em face da sua improvável aplicação prática tendo em vista que a lei civil vigente cessa a menoridade aos 18 anos completos. O caso teria aplicação para quem colasse grã de grau superior antes dos dezoito anos. Mas o ensino no Brasil, fundamental e médio, consiste de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, a teor do art. 21 da Lei nº. 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Depois de concluir o ensino médio e depois de ser aprovado no concurso vestibular o estudante no Brasil ingressa em curso de nível de ensino superior. Ditos cursos superiores possuem duração variáveis, 4, 5 e 6 anos. Contados os anos escolares da primeira série do ensino fundamental ao último ano do curso superior no mínimo computam-se 16 anos, para aqueles que lograram uma vida escolar sem nenhuma interrupção, suspensão, ou qualquer outro motivo de atraso. Ora, aos 2 ou 3 anos de idade, a criança, com sorte, estará no jardim de infância e jamais começando a primeira série do ensino fundamental. A lei 10.406 menciona expressamente a “colação de grau”, portanto, o curso superior deve estar concluído e o formando apto para o exercício da profissão, prestado o solene juramento no ato da formatura no qual recebeu o diploma ou certificado de conclusão de curso superior. Como alcançar esse objetivo antes dos dezoito anos de idade de forma a fazer cessar a menoridade antecipadamente o legislador não cuidou.


Estabelecimento civil ou comercial e relação de emprego

O inciso V, do art. 5º do código civil na parte que intenta inovação, a nosso ver, não observa rigor lógico e nem técnica apurada. O antigo código já previa que menores a frente de estabelecimento mercantil ou civil, com economia própria, estavam aptos à emancipação, afinal, se podiam prover o próprio sustento em tais empreendimentos presume-se que sejam capazes de praticar os demais atos da vida em sociedade. Mas, o novel diploma civil houve por inovar e obrou mal acrescentando às causas antecipatórias já mencionadas a débil figura da “relação de emprego”.

Se a lógica sistemática privilegia a segurança do vínculo, daí a emancipação em face de emprego público efetivo, e de exclusão da insegurança de emprego de livre nomeação e exoneração, empregos públicos comissionados, de estranhar admitir-se qualquer emprego. Segue que a instabilidade de ocupante de cargo comissionado na esfera pública não é maior do que a existente no âmbito da iniciativa privada onde o empregador é livre para admitir e demitir seus empregados.

Maiores de 16 anos, com estabelecimentos de comércio, ou civil, que movimentam a economia do próprio negócio, podem e devem se emancipar civilmente. Pessoas que começam cedo à labuta que no comércio quer prestando serviços, que em tais atividades se tornam responsáveis, não se justifica que permanecessem sob o poder familiar como o incapaz de decidir e defender os seus direitos. Esses jovens comerciantes precisam da capacidade plena a fim de facilitar atos do comércio, a compra, a venda, assumir obrigações, e praticar os demais atos da vida civil ou comercial. Desproporcional e nada razoável exigir do comerciante, do empreendedor civil que precise da presença dos pais toda vez que necessite praticar um ato ou realizar ou negócio na esfera civil.

Capacidade civil e penal do menor de 18 anos em serviço militar

Pelo regime jurídico especial dos militares, quando do serviço militar, a incapacidade do menor cessa aos 17 anos de idade, a teor do Decreto n.º 57.654/66 e da Lei n.º 4.375/64. Já o Código Penal Militar, Decreto-Lei 1.001/1969 no art. 51 equipara aos maiores de dezoito anos, ainda que não tenham atingido essa idade, os militares, os convocados e os alunos de escolas militares que tenham completado dezessete anos. No artigo 50 diz que o menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato.



NOTAS DE REFERÊNCIA

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.

SARMENTO, Antonio Natanael Martins. Notas de Direito Civil. São Paulo: Editora Harbra, 2004.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Contribuição à atividade de Monitoria Acadêmica

A atividade de monitoria acadêmica no âmbito dos cursos superiores, notadamente na graduação, tem despertado o interesse das instituições de ensino no país, inclusive a UNICAP. Diversos fatores, entretanto, como a burocratização de processo seletivo, desinformação de docentes e discentes, dificuldades de trabalho em equipe, dentre outros, retardam ou mesmo anulam a prática da atividade de monitoria acadêmica.
Democratizar o processo da atividade docente através da discussão e do debate junto aos alunos pode ser a alternativa para a construção de um ensino superior mais dinâmico e criativo, mais sintonizado com a era da revolução tecnológica. Manter o professor no pedestal de uma suposta sapiência sem partilhar e sem debater criticamente os saberes nessa era de comunicação instantânea afigura-se extemporâneo e pouco produtivo.
Defensor fervoroso do trabalho docente auxiliado por monitoria, com fundamento em experiência pessoal superior a três décadas de sala de aula, das quais mais de duas na UNICAP, adoto por consigna as palavras do saudoso pastor de almas, arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara: “Ninguém sabe tanto que não tenha o que aprender; ninguém sabe tão pouco que não tenha o que ensinar”.
Dizer que o jovem monitor não tem contribuição afigura-se profundo equívoco e revela fragilidade intelectual por trás da couraça de soberba.
Uma perspectiva intelectual ética espelhada em Platão deve democratizar conhecimentos, sair da caverna, partilhar experiências, ensinar e aprender com os jovens. Desempenhar o difícil ofício de mestre com dignidade e compromisso não se resume a transferir técnicas e conhecimentos, mas contribuir para transformar o mundo do ter no mundo do ser, em construir um mundo mais solidário e justo - numa perspectiva crítica ao individualismo, ao hedonismo, ao consumismo e à degradação ambiental, mazelas contagiosas do capitalismo predador dos dias atuais. (Natanael Sarmento)

The Corporation - Trailer

O Documentário completo, legendado (português) encontra-se disponível no seguinte endereço:

Parte I:

http://video.google.com/videoplay?docid=1536249927801582119&ei=iSPVSIXiEILOrgLDv-jXAg&q=the+corporation+legendado

Parte II:

http://video.google.com/videoplay?docid=-7123616269200477373&ei=wiPVSIf_NJLAqALVlPC-Ag&q=the+corporation+legendado