terça-feira, 23 de setembro de 2008

Considerações jurídicas sobre o nome da pessoa. Natanael Sarmento – Prof. Dr. Titular da Unicap

O nome da pessoa natural é um elemento essencial de sua personalidade, através do qual cada pessoa é identificada como indivíduo da sociedade. Nesse sentido, coerentemente, a lei 10.406/2002 - Código Civil - estabelece as normas relativas ao nome da pessoa no capítulo dedicado a direitos da personalidade.
Na dicção do art. 16 toda pessoa tem direito ao nome que é composto pelo prenome e pelo sobrenome ou nome de família:

“Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.

O prenome da pessoa natural é escolha livre dos genitores ou responsáveis, podem ser simples, exemplo: João, Francisco, José, Antonio, ou compostos, João Francisco, José Antonio, ou quaisquer combinações possíveis de dois ou mais prenomes. Contudo, por ocasião do registro, o oficial de registro público pode recusar pedidos de registros de nomes jocosos ou que exponham a pessoa ao ridículo, com base no parágrafo único, art. 55, lei n° 6.015/73, Lei de Registros Públicos. Se o responsável pela declaração não aceitar a recusa do oficial esse encaminha a querela ao juiz competente. Comumente o declarante indica o nome completo do registrando, por exemplo: Antonio Natanael Martins Sarmento. Mas nem sempre o faz.

Antes da Constituição de 1988, segundo o “caput” do art. 55 da Lei de Registros Públicos, se o declarante não indicar o nome completo ao oficial cabe lançar o sobrenome do pai, na falta daquele, lança o sobrenome da mãe, quando conhecidos, não havendo impedimentos legais para tal ato. Entretanto, tal dispositivo encontra-se revogado. Tanto a precedência paterna sobre a mãe afronta a isonomia entre homens e mulheres, 5°, I e a isonomia conjugal do 226, 5°, ambos da CF/1988 como a Lei Maior proíbe quaisquer designações discriminatórias em relação a filos, havidos ou, não em face de casamento, no art. 227, 6°.

O sobrenome recebe-se dos pais e indica a família da pessoa. O declarante da filiação pode registrar o seu filho voluntariamente, caso de reconhecimento espontâneo e livre, ou reconhecer a paternidade por força de sentença judicial, nas ações movidas pelos filhos com tal propósito. De qualquer forma, voluntária ou obrigatória o estado de filiação estabelece vínculos de parentesco entre pais e filhos, direitos e deveres recíprocos, entre os quais o direito de adotar o sobrenome dos genitores.

Como regra o nome, assim entendido o prenome a o sobrenome da pessoa a acompanha durante toda a sua existência, mas a lei prevê os casos excepcionais de modificação, em face de casamento, adoção e outras motivações, somente através de sentença judicial e ouvido o Ministério Público, art. 57 da lei 6.015/73.

A matéria recebe a regência das leis 10.406/2002 e 6.015/73 no que tange a casamento, união estável, adoção, maioridade civil e outras situações.

Relativamente ao acréscimo de sobrenomes em virtude do casamento pela regência do Código Civil qualquer dos nubentes, logo, homem ou mulher, poderá acrescer o sobrenome do outro, art. 1.565, § 1° perfeitamente ajustado à isonomia conjugal determinada na Constituição Federal (§ 5°, art. 226).

No processo de adoção judicial de filhos, confere-se ao adotado o sobrenome do adotante. Em se tratado de menor, cabe modificação de prenome, quando requerida, a teor do art. 1.627 do Código Civil.

Dentre os efeitos jurídicos da maioridade civil, pouco se tem atentado para o disposto no art. 56 da lei 6.015 que prevê a possibilidade de modificação do nome no primeiro ano após atingir a maioridade civil, contanto que não se prejudique os sobrenomes de família. A modificação será averbada no Registro Público e modificação publicada pela imprensa.

O prenome da pessoa é definitivo, porém, admite-se a substituição ou adição de apelidos públicos e notórios, com essa regência o art. 58 da lei 6.015/73 consagra o princípio da identidade social, do reconhecimento público. Exemplo notório, a excelência presidencial Luís Inácio Lula da Silva.

A lei brasileira admite a substituição do prenome de pessoa sob coação fundada, em face de colaboração na elucidação de crimes, pelo parágrafo único do artigo 58.

Nomes jocosos capazes de expor o seu titular ao ridículo podem ser modificados (Ex. Eva Gina dos Prazeres, Jacinto Bráulio Aquino Rego). Já os erros materiais de registro, assim entendidos, erros gráficos, podem ser corrigidos mediante pedido do interessado e averbação da alteração no registro, nos termos da Lei 6.015/73.

No âmbito dos tribunais tem-se admitido à mudança do nome e também a correção do assento relativo ao sexo para pessoas submetidas a cirurgias modificadoras de sexo com fundamento no direito constitucionalmente assegurado à dignidade da pessoa humana. De fato, traz embaraços e causa espécie manter o nome de registro original a alguém que era de um gênero, feminino ou masculino, e que transmudou de sexo.
"REGISTRO CIVIL - Retificação - Assento de nascimento - Transexual - Alteração na indicação do sexo - Deferimento - Necessidade da cirurgia para a mudança de sexo reconhecida por acompanhamento médico multidisciplinar - Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a manutenção do estado sexual originalmente inserto na certidão de nascimento - Negativa ao portador de disforia do gênero do direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a lei fundamental - Inexistência de interesse genérico de uma sociedade democrática em impedir a integração do transexual - Alteração que busca obter efetividade aos comandos previstos nos artigos 1º, III, e 3º, IV, da Constituição Federal - Recurso do Ministério Público negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o pedido inicial, determinando a retificação de seu assento de nascimento não só no que diz respeito ao nome, mas também no que concerne ao sexo". BRASIL. TJSP. Ap.n° 209.101-4 - 1ª Câmara. Rel. Elliot Ackel - 09.04.02 - D. J.
Também se tem admitido a alteração do nome pelos apelidos notórios compatíveis com a aparência da pessoa no meio social no qual vive e é conhecido, ou seja, na identidade pública, assumida.
"Registro civil. Transexual idade. Prenome. Alteração. Possibilidade. Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registra é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, o nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada esta a alteração. Inteligência dos artigos. 56 e 58 da lei n. 6.015/73 e da lei n. 9.708/98. BRASIL. TJRS. Proc. 70000585836. 7ª Câmara Cível. Rel. Sergio Fernandes de Vasconcelos. Julga: 31/05/2000.

Mesmo as pessoas estrangeiras admitidas no país como asiladas, permanentes ou temporárias estão obrigadas ao registro no Ministério da Justiça, na dicção do art. 30 da lei 6.815/1980, o Estatuto do Estrangeiro. Nome e nacionalidade do estrangeiro nesse registro serão os constantes do documento de viagem, art. 31. Mas o assentamento pode ser alterado, em caso de erro comprovado, em caso de exposição do titular ao ridículo, pejorativo, e também nos casos de difícil compreensão e possível de tradução à prosódia portuguesa, art. 43, I, II e III do Estatuto do Estrangeiro.

Proteção legal do nome da pessoa natural

Com o escopo de proteger o nome da pessoa, a lei civil, por um lado, proíbe o uso de nome ou de pseudônimo sem a autorização do seu titular, por outro, assegura o direito de uso em publicações quando devidamente autorizado. Mas veda qualquer publicação ou divulgação do nome da pessoa que importe desprezo ou enxovalho. Nesses casos, os responsáveis pela divulgação podem responder, civilmente, pelos danos materiais e morais, independente de culpa. Não se confunda com a responsabilidade criminal que independe da civil. A natureza jurídica da responsabilidade civil é objetiva, diz respeito à honra objetiva elementar do nome. Na dicção do art. 17 do Código Civil:


“O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.

O nome da pessoa pode ser utilizado com fins comerciais ou publicitários, logicamente, quando autorizado pelo seu titular. Dessa forma a divulgação do nome sem prévio consentimento importa em violação de direito faz nascer para o seu titular à pretensão a ser deduzida em ação indenizatória pelos danos materiais e morais sofridos. É a regra contida no artigo 18 do Código:

“Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”.

O escopo da lei é assegurar ao titular do nome a decisão sobre o uso de seu nome publicamente, não tendo relevância se essa divulgação tem fim altruístico ou lucrativo, se é graciosa ou onerosa. Nesse sentido, a utilização do nome da Drª. Fula na de Tal numa campanha contra o câncer, sem a devida autorização, representa violação de direito, já a divulgação de seu nome, devidamente autorizado, para venda de produtos comerciais trata-se de atividade lícita.

As mesmas proteções legais conferidas ao nome são dadas ao pseudônimo, na previsão expressa do art. 19° do Código Civil:

“O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome”.


Proteção legal do nome da pessoa jurídica


O nome das pessoas jurídicas, empresariais ou não, possuem grande relevância social. Disso resulta a relevância conferida pela lei civil ao nome das pessoas jurídicas. O bom nome e a boa fama da pessoa jurídica são bens juridicamente protegidos, e não podia ser diferente.

Nesse sentido, a existência legal da pessoa jurídica, diferente nesse particular da natural que começa com o nascimento com vida, começa com a inscrição do ato de constituição no respectivo registro, art. 45 da Lei 10.406/2002. E o mesmo Código Civil estabelece que o registro declarará a denominação da pessoa jurídica, art.46, I. Nas associações de pessoas sem finalidades econômicas ou de partilha de lucro, a denominação é obrigatória no estatuto a ser registrado, sob pena de nulidade, art. 54, I.

Essa matéria recebeu a regência da lei que instituiu o Código Civil e introduziu o Direito de Empresa no livro II da parte especial. O nome empresarial recebe a regulamentação em capítulo específico, artigos 1.155 a 1.168. Nome empresarial é a firma ou a denominação adotada para o exercício da empresa. Equipara-se ao nome empresarial para efeito de proteção legal as denominações das fundações, sociedades e associações.

Resulta que a pessoa jurídica tem legitimidade para demandar contra qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, em face de danos à honra objetiva. Esse entendimento tem sido assentado no âmbito do STJ, em inúmeros processos por ofensa a honra objetiva de pessoas jurídicas protestadas em face de títulos cambiais indevidos.

No quesito ofensa à honra da pessoa, doutrina e jurisprudência acentuam a distinção entre pessoas naturais e jurídicas. Destaca-se que a honra subjetiva relaciona-se com o ser humano, natural, dotado de psiquismo, em razão do qual podem sofrer danos à dignidade, à estima, humilhação, vexames, assim em diante, tem caráter interior, subjetivo. Já a honra objetiva é externa a pessoa, diz respeito à admiração, o respeito, a avaliação positiva que as demais pessoas fazem dela. Evidente que a pessoa jurídica não possui os sentimentos e emoções de dores humanas. Logo, pessoas jurídicas não dispõem dessa subjetividade, dessa honra subjetiva própria de seres humanos. Contudo, as pessoas jurídicas possuem reputação social, têm nome a zelar socialmente, logo, podem sofrer ofensas à honra objetiva. Assim, se o conceito da empresa ou sociedade é atingido, isso importa prejuízos materiais e morais à pessoa jurídica. Os danos materiais podem ser demonstrados por todos os meios lícitos de provas, já os danos morais, extra patrimoniais, serão arbitrados em juízo.

Resumindo, as pessoas jurídicas recebem idêntica proteção das pessoas naturais, nesse caso do nome como direito da personalidade assegurado em lei, e noutros direitos da personalidade, também, salvo os direitos ontológicos do homem, inerentes a pessoa humana e que não podem, por natureza, ser transferido às pessoas jurídicas criadas pelos homens para realizar determinados fins que o ser físico sozinho é incapaz de alcançar.



Um comentário:

Unknown disse...

O texto é muito bom! O professor ampliou bastante o assunto visto em sala, por isso, e pela forma que ele aborda o tema, a leitura é muito agradável.